Beatrix Potter - The Story of Miss Poppet, 1906 |
Estou participando de encontros femininos que discutem a imagem da mulher através da história. Isso dialoga com minha primeira disciplina da pós graduação, inclusive. A mulher, pelo patriarcado, foi separada em pelo menos duas: Eva e Lilith, Maria e Madalena. Ou Eva e Maria, genericamente. A pecadora e a mãe. Assim é no filme de Guel Arraes, e em tantas outras histórias teatrais, ou mesmo novelas fascistas da Guerra Civil Espanhola: a mocinha, correta, pura, cândida, em tons pasteis e timidez. A vilã, ou anti-heroína, carnuda, em tons de sangue, segura de si e gostosa.
Eva e a Serpente (em algumas histórias a serpente é Lilith) |
Sempre quis ser dona de mim. Não aceito conselhos, a menos que eu os peça e que sejam-me úteis para eu aprender sozinha o que quero fazer. Detesto depender dos outros porque sei que sou autoritária e quero as coisas já, ou assim, assim e assado. Para não haver desavenças - e eu sei que estaria errada -, já faço eu mesma porque assim se der xabu já sei que a responsável sou eu. E se tiver pressa, será no meu ritmo. E se tiver gosto, será de meu agrado.
Então assim eu decidi o que queria ser, decidi que não queria dinheiro nem pensão, por mais que merecesse e fosse legalmente justo. Porque eu sei que quem ajuda tem o mau costume de cobrar. E eu não aceito ajuda que me seja cobrança, que me prenda, que me limite.
Tenho vivido limitada, enjaulada, humilhada, com a desculpa ou motivação de que estou também aproveitando desses contratos completamente desiguais. Fui enraizando essas desculpas até não perceber os vários tipos de exploração que venho recebendo, em todos os campos da vida. Conscientizar-se disso é doloroso, porém um acordar. E esse acordar é violento. É uma tigresa enjaulada batendo nas grades, balançando a jaula prestes a cair. Porque quem explora, diante de seu conforto que o poder carrega, não percebe que as amarras não são eternas, não são nem fortes.
Basilica di Giunio Basso, séc. IV d.C. |
Quando vi aquele passarinho na gaiola… Pensei que minha vida inteira, se eu ficasse, ia ser assim, vida de triste, de quem desejou, de quem quis de corpo e alma e, mesmo assim, não fez.Eu sempre fui uma pessoa desmantelada, desorganizada. Algumas pessoas me chamam de organizada, mas acho que isso fica mais em pensamento do que em questões materiais. Eu sei fazer tantas coisas, mas não enxergo a mim mesma e minha força, então não termino nada. São livros, bordados, cadernos começados, nunca terminados. Jogados pelo chão. Assim como as vontades, que são tantas.
Osman Lins - Lisbela e o Prisioneiro
Queria ser, às vezes, Lisbela. Que também é forte e destemida, quando decide que é aquele quem ama, que naquele momento não, que compreende a sensibilidade do olhar do médico-monstro e, portanto, saberia cuidar bem daquilo que começa, terminando e aperfeiçoando tudo o que sabe com muito amor e esperança. Mas a paixão desenfreada de minha Inaura só me faz gritar, desafiar, riscar fósforo* e sair desembestada pelo mundo, procurando qualquer coisa que nem sei o que é, talvez a liberdade.
Na Paraíba chamamos isso de riscar fósforo |
Lindo e profundo.
ResponderExcluirP.S : Sou Lisbela, mas com ascendência em Inaura.
letologia.blogspot.com.br
São livros, bordados, cadernos começados, nunca terminados. Jogados pelo chão. Assim como as vontades, que são tantas. Vou adiando me descuidando e deixando de lado até que a vontade volta com tudo pra me assombrar, pra me mostrar os nadas da vida que eu fiz :/
ResponderExcluirNunca assisti esse filme, acredita? Acho q já passou da hora de fazer isso!! ~achei maravilhhoso, apenas~
Beijinhos.
No Romantismo, ou a mulher é retratada como virginal, pura e inalcançável (sendo geralmente loira), ou como pecadora, tentadora, algo a ser evitado (geralmente morena). É muito interessante e importante que as mulheres de hoje, e a sociedade de um modo geral, problematizem essas construções femininas nas artes e nas culturas. Somos produzidos subjetivamente por toda sorte de discursos que nos atravessam em instâncias macro e micropolíticas e no momento em que nos conscientizamos disso estamos confrontando o poder. E isso é muito excitante! kkkkkkk. Eu, como um homem cis branco, estou o tempo todo percebendo privilégios que são cedidos a mim pelo simples fato de ser como sou. Mas, como pessoa LGBT, também sinto a todo momento que me renegam direitos e me limitam a pequenos grandes estereótipos aos quais a sociedade espera me eu me enquadre. O desejo de vida é tão maior do que isso.
ResponderExcluirAh, eu me identifiquei muito com um trecho de sua postagem:
"Eu sempre fui uma pessoa desmantelada, desorganizada. Algumas pessoas me chamam de organizada, mas acho que isso fica mais em pensamento do que em questões materiais. Eu sei fazer tantas coisas, mas não enxergo a mim mesma e minha força, então não termino nada. São livros, bordados, cadernos começados, nunca terminados. Jogados pelo chão. Assim como as vontades, que são tantas."
Isso me descreve.
Um beijo.