18.5.21

Too old to the millennial age, too young to be a minstrel

Jethro Tull - Minstrel in the gallery, 1975. Adaptação de Twelfth Night Revels in the Great Hall Haddon Hall - Joseph Nash, 1838
The minstrel in the gallery
Looked down upon the smiling faces
He met the gazes, observed the spaces
Between the old men's cackle

He brewed a song of love and hatred
Oblique suggestions and he waited
He polarized the pumpkin-eaters
Static-humming, panel-beaters
Freshly day, glowed factory cheaters
Salaried and collar-scrubbing

Jethro Tull - Minstrel in the gallery

Tenho rascunhos com preguiça de aparecer aqui. Ainda amo esse blog e ele representa minha alma, mas estou tentando organizar meu tempo para a vida lá fora, o trabalho, a missão que é Estúdio São Jerônimo.

Enquanto as ovelhas estão balindo no pasto, o corvo sobrevoa lá no alto, buscando alguma carcaça pra se alimentar, pequenos galhos para usar de ferramenta.

Mas não vim falar dos meus animais. Vim deixar, assim, como quem não quer nada, um pensamento que tive e acabei de dizer à minha irmã sobre meu ofício. Estou lendo uma biografia do Jethro Tull para o Querido Clássico chamada A Passion play: the story of Ian Anderson and Jethro Tull, the Brian Rabey. Para quem lê inglês, recomendo muito que faça conta no Archive.Org e utilize a biblioteca online. Vale muito mais que qualquer Kindle Unlimited, até porque esse livro está custando míseros R$1500,00 na Amazon.

Pois bem. O autor entrevistou diversos membros e ex-membros da banda, inclusive o Leão Menestrel que é o Ian Scott Anderson. E eu me peguei dentro da história, de um jeito que percebi que até gosto de biografias. E disse isso a Evellin: 

[19:09, 18/05/2021] Helen: passei a tarde lendo a biografia da banda. mto bom. esse rock q eu gosto é tão "novo" que quando esses artistas eram crianças nem tinha beatles ainda, entao o rock estava nascendo a partir dos negros. eles nao esperavam nada
[19:09, 18/05/2021] Helen: tudo era mato
[19:09, 18/05/2021] Helen: eu amo
[19:09, 18/05/2021] Helen: amo saber historia de pioneiros
[19:09, 18/05/2021] Helen: fingir que td q eu amo e odeio nao existe e imaginar um mundo sem isso

Os entrevistados falam de uma forma tão franca, que o leitor se sente o próprio entrevistado, e esta é a magia da História Oral, um modo de se contar histórias que é, inclusive, meu objeto de estudo nos últimos anos. E eles eram crianças num mundo sem Beatles, sem Stones, e sem o próprio Presley. O que era Rock? Primeiro que o rock é um gênero musical criado por artistas negros, assim como o samba e o funk no Brasil. O rock and roll vem do soul, do jazz e do blues, e isso formou as bandas de rock posteriores. Li Ian Anderson, entrevistado, dizer que ouvia aquilo com menos de dez anos e achava incrível, algo de encher os olhos de uma criança. Ele nasceu logo após o final da II Guerra, e o contexto histórico É TUDO

É TUDO

nos estudos SÉRIOS do desenrolar dos acontecimentos humanos. Se você ler em algum lugar que contexto não interessa, ou alguém revoltado nos comentários de redes sociais porque alguém perguntou "qual o contexto?", saiba que essa pessoa está muito distante da seriedade histórica, e pode ser bastante irresponsável e anacrônica em suas narrativas. A paixão é um motor maravilhoso para mudar e moldar o mundo, mas não pode nunca ser uma retroescavadeira que destrói o passado em prol de um futuro incerto e de base destruída. Não se invalida história nenhuma, porque é uma teia, uma Torre de Babel que, se perder um ponto de conexão, pode facilmente não se sustentar mais.

Pieter Bruegel the Elder - The Tower of Babel, 1563

Eu não consigo escrever sem fel, né gente? 😌🥰😂

Então, voltando. O contexto que Anderson, Hammond e Evans apresentam em suas reminiscências é impressionante, porque são lembranças de meninos de classe média para baixa, numa cidade litorânea britânica, Anderson sendo imigrante, tendo que mudar o sotaque para se adequar à sociedade, e os três aprendendo a tocar instrumento juntos, com o que tinham e conseguiam de material com muito trabalho enquanto dividiam o tempo da música com o ensino escolar e a entrada na adolescência. MAS o que me chamou a atenção ainda foi algo além. Como disse, não havia ainda Beatles, nem Stones no país deles quando eram pequenos, como para tantos de nós sempre houve. Nem mesmo Presley. A gente vê e passa batido, alguns dizem que nem é tudo isso, outros reivindicam outros nomes. Mas esse povo teve sua parcela de culpa num mundo em transição, se recuperando após duas guerras e vários genocídios imperialistas. Pensar num ruivinho escocês que não usava jeans, porque era a última moda num lugar distante, que hoje tem 73 anos e que estava apaixonado por artistas negros do outro lado do atlântico... Aí eu entendi o que me difere de outras pessoas.

Muita gente lê histórias e as coloca no tempo presente, as arranca de sua terra natal e as exila no futuro. Então fica fácil julgar como lhe convém: "imagina isso hoje em dia? Que absurdo? Nossa, EU não viveria assim, EU viveria assado..."

Tudo bem que a empatia é importante para o fazer histórico, que é entender o passado, viver o presente já planejando um futuro melhor a partir dos ensinamentos das experiências... Mas é assim que o caldo pode facilmente entornar. Mais que empático, simpático ou antipático com a história, o que deve ser feito é tentar - porque nem sempre é possível - compreendê-la. E compreender não é e nunca será concordar. É possível sim, ter uma visão afastada da história lida ou ouvida, até porque já existe o afastamento temporal e espacial, e ao mesmo tempo sentir o que essa história tem a dizer, chegar a um entendimento da utilidade dessa história para o momento presente e aí criar, recriar narrativas sem destruir o ponto anterior. A história é um bordado em eterna confecção. Se você afrouxa, corta ou rompe a linha corre o risco de acabar com a trama.

Atropos, Lachesis e Cloto, as três moiras gregas, fiadoras do destino. The Triumph of Death, or The 3 Fates - Flemish tapestry (probably Brussels, ca. 1510-1520)

Diferente de quem exila a história que está sendo desvendada para as terras estrangeiras do tempo presente, eu faço caminho contrário. Eu me exilo, coisa que sei bem, e me coloco dentro daquela situação, tentando entender o que está acontecendo naquele local e tempo, o que tem e o que não tem, quais são as possibilidades de pensamento e opinião para aquele grupo de pessoas, conforme os ensinamentos que lhes foram passados e que percorriam o status quo da época. Claro que penso: "nossa, tem coisa que definitivamente..." Mas já aconteceu. Graças a Deus o tempo não volta, e em vez de eu gastar meu tempo pensando no leite derramado, eu procuro pensar em como não derramar mais o leite que sobrou. Não que eu seja a única pessoa do mundo a fazer isso, mas faço parte desse grupo de pessoas. Porque pra mim ela, História, a musa Clio, é sagrada.

Podemos ver a História como um imenso diamante no centro de um lugar, refletindo luz de todas as faces. Cada pessoinha minúscula admira, observa e critica apenas a luz que vê, e passa adiante suas conclusões. Mas ninguém, nenhum de nós, não adianta quantos pós-doutorados e comentários de facebook tenhamos em nosso currículo, seremos donos de narrativa nenhuma, e contar uma história de forma contundente é dialogar com essas diversas faces, sem tentar arrancar ou encobrir nenhuma delas.

Clio, the Muse of History - Artemisia Gentileschi, 1632

Como eu disse para minha irmã, e foi a base para esse texto - que eu juro que pensei que teria no máximo 5 linhas -, eu amo ir para um mundo onde não há nada que conheço, fingir que nada do que tenho hoje existe: internet, eletricidade, spotify, sintéticos... Fingir que sou um menino imigrante com menos de dez anos mexendo com os vinis do pai, e depois aos 14 emprestando tambor do pai militar para o amigo aprender a tocar bateria, fingindo um sotaque britânico geral para se safar de bullying, se inscrever em Artes e Humanidades como especialização, arriscar ir contra o que tocava na rádio e, com amigos se envolver com o som de Chuck Berry, Bo Diddley, Sonny Terry e Brownie McGhee, e pensar que era """""só""""" isso o que estava presente e disponível na época. Não existia classic rock para esses meninos, porque seriam eles a fazer parte dele anos depois.

Ian Scott Anderson por volta do final dos anos 1960 e início dos 1970 - adivinhe a minha obra de arte favorita desse post!

Esse fingimento me deixa mais próxima dos personagens estudados, como se eu fosse algum tipo de atriz que os interpreta. E eu acho muito mais respeitoso, em qualquer ocasião, que eu, pesquisadora, a pessoa que fuça, cafunga os registros como folhas bagunçadas numa escrivaninha de escritório vitoriana, ou como um corvo - ou ogro - sente o cheiro da carne e vai até ela, seja quem vai até a história, não o contrário. É muito fácil ser "venha a nós o vosso reino" e, sem respeito nenhum por tudo aquilo que já se foi, esperar que a História seja nossa serva, quando somos nós que servimos a ela.

Seja uma criança curiosa que sonha com mundos distantes, e não um adulto seco de imaginação que acaba com eles. História é para ser levada com fantasia e seriedade, e não com ego e leviandade (fantasia num sentido de imaginação, criatividade para ligar os pontos, pelo amor de deus não entenda merda). Um caminho, o da possibilidade, leva à construção de novas narrativas: novos livros, novas informações, novas discussões, novas bibliotecas, novos museus. O outro caminho é aquela prisão imatura de sempre: a pessoa se acha dona de destinos alheios, e ela, somente ela, é porta-voz de algo que nem mesmo viveu. Em terra seca e infértil semente não brota. E não pense que estou criticando os conservadores na História. Dessa vez, é justamente dos progressistas que estou falando. Inclusive, "progressista" é algo que não me existe, porque a história é espiral e cada momento histórico teve suas genialidades e burrices, o que era possível para aquele contexto. Não existe período histórico mais inteligente que outro, porque não é algo que se alcança como gráfico de linha. Não estamos chegando a um céu de sabedoria, e os iluministas não eram mais geniais que os "das trevas" em porra nenhuma. Luz e sombra coexistem em qualquer camada da existência humana.

Eu ia parar esse texto na parte bonita da semente, mas minha raiva desse desmazelo com essa que não é só minha profissão, mas eu inteira, é um assunto que me escapa, transcende, envolve, supera. Sejam minimamente competentes e tenham humildade em entender que essa é a ciência dos fragmentos e não das inteirezas. Tudo que é completo é morto, ensimesmado. E a História é VIVA, em partes humana, e por humana, falha, gananciosa, cruel, absurda, sem sentido, injusta. Não se esconde os podres de ninguém, pelo contrário: se abre, lava a ferida, senão não sara. Não existe falar de oprimido sem falar de opressor, não existe fazer meme com coisa séria para apenas se sentir ideologicamente válido e útil. É um desserviço, uma pilantragem.

The Incredulity of Saint Thomas - Caravaggio, 1601-02

Sejamos políticos e claros, sinceros com nossas convicções, mas entendamos que tudo isso está dentro da História e não o contrário. Não se joga xadrez só com um grupo de peças. Você precisa do adversário para poder se movimentar e dar xeque-mate.

Max Von Sydow e Bengt Ekerot - Ingmar Bergman's Det sjunde inseglet (The Seventh Seal), 1957

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© um velho mundo
Tema base por Maira Gall, editado por Helen Araújo