22.4.23

Tempo Rei

Fiz esse texto e deixei nos rascunhos em 14/03/23 e me esqueci completamente. Não sei se terminei, vou fingir que sim!


Antes de tudo: muito obrigada, minha gente, fico muito feliz toda vez que leio os comentários do texto anterior. Saber que o que escrevo, até as coisas mais pessoais e diárias, fazem sentido e até importam na vida de alguém, faz eu me sentir humana e cumpridora da minha missão aqui na Terra. Sim, cancelers, eu acredito na missão de vida que cada um tem a cumprir neste grande Purgatório em que vivemos. Mas agora vamos ao que eu queria comentar. Shall we?


Hoje me veio na cabeça Tempo Rei, do Gilberto Gil, e senti vontade de ouvir uma playlist que criei ainda em 2019, chamada Saturnus. Vendo agora, por algum motivo (que eu acho que não foi conscientemente intencional), criei a playlist no último dia do inverno, às vésperas de Ostara. Eu passava por um período de ruptura muito grande, e até então tinha certeza que 2019 havia sido o pior ano de minha vida (2021 superou, surpreendentemente). Dessa ruptura, o Tempo me veio em sonhos, visões, meditações, coisas que lia, ouvia, me deparava, palavras que me diziam. 

Sim: dessa forma mística mesmo. Se você não acredita, pense que meu inconsciente começou a ler coisas adormecidas que sempre estiveram por aí. Eu acredito no mistério e no inconsciente, então ambas as explicações são válidas. Esse texto poderia muito bem estar no Algorab Corvus, mas percebi que é bem pessoal, e não gosto de pessoalizar o meu trabalho. Eu sou o meu trabalho, é bem verdade. Mas meu trabalho não sou eu e enfim, já tenho um texto enorme sobre Saturno para lá. Aconselho seguir pois em breve vem aí...

Ontem aprendi um ponto de crochet para marcardor de página, que tecnicamente é uma pausa material que se impõe no tempo da leitura. E contar pontos é também contar o Tempo. Costurar pontos é costurar o Tempo. Depois, quando fui fazer minhas atividades diárias do Duolingo e Busuu (não estou em pontos síncronos de aprendizado do italiano por lá), ambos os módulos falavam sobre o Tempo: no Duolingo, os dias, meses, estações, horas e anos; no Busuu, já fui perguntada o que faço no tempo livre.

Todos os dias estou buscando o que vim fazer na Terra. Esse questionamento existe desde meus três anos, pelo menos. Não lembro de antes, então vamos dizer que foi com três. Nunca entendi porque eu era eu e não outra pessoa. E decidi, por não ter melhor resposta, e antes mesmo dos meus cinco anos, que se eu sou eu, é porque eu devo muito importante. É daí a ideia que tenho que tenho uma missão a cumprir. Não que eu seja uma soldada do apocalipse (quem sabe kkkk), mas que qualquer coisa que eu faça, é porque era pra eu fazer mesmo.

Eu tenho quase 31 anos agora, e fico me enganando dizendo que o Tempo veio falar comigo quando eu tinha 26. Mas é mentira minha, é uma convenção como a Linha do Tempo que diz que a Idade Moderna começou no ano Tal. Porque eu sempre fui do Tempo, escolhi não uma, mas três ou quatro profissões que têm o Tempo como essência: a História, a Museologia, a Biblioteconomia, a Arte. Não que o Tempo seja importante para todo historiador, museólogo, bibliotecário e artista. Cada um vai escolher suas especialidades, e me convém dizer que poucos se importam em não ser anacrônicos. Comigo é como se eu vestisse o manto da temporalidade, ou estou inventando isso agora, já que tudo é Tempo pra mim.

Tinha como fé, antes de 2019, que o Vento que balança as folhas das árvores era o que era Deus para mim. Hoje é o Tempo: ele traz à vida e traz a Morte. Cria e desfaz. Tudo o que fazemos: amar, julgar, comunicar, trabalhar, etc., só é possível dentro do Tempo, e as coisas só procedem se há cotidiano. E o Tempo é o Vento: o ar que respiramos e nos dá vida é o mesmo que nos oxida e nos leva à morte. E li em alguns lugares que o mesmo ar que um Triceratops respirou é o mesmo que respiramos agora. Se for bobagem me desculpem, faz tempo que não estudo ciência. Mas pelo menos é poético. Assim como uma coisa que Guy de Montpassant disse: há mais mortos que vivos no mundo, e eles precisam de menos espaço. Na mesma hora pensei em João Cabral de Melo Neto.

Ainda me assusto e me admiro que esses temas todos saiam da minha boca e dos meus dedos. Há poucos minutos dei risada de uma situação ruim que aconteceu aqui em casa há vinte anos e que está se repetindo na casa de uma vizinha. Eu disse para mainha "é, a única coisa que podemos dizer é 'boa sorte, é sua vez agora'" e ri, e ela respondeu "Misericórdia, menina" hahaha. Não é agourando nem desejando mal, estou com muito desgosto de a situação se repetir. É que a vida tem esses ciclos, e cada um tem sua sina, nos resta desejar boa sorte mesmo. Mas é que esses temas são assim comigo. É como a reação o Jack Nicholson à morte de Heath Ledger. 

Eu nem ia dizer isso, mas achei tão engraçado e vil que quis colocar para não perder a risada gostosa que eu dei caminhando pela casa. Príncipes se sentiriam horrorizados com meu comportamento.

Enfim, tudo isso para dizer que... para dizer, só. Para passar o Tempo!

Voltando ao susto e admiração que sinto com os temas que carrego, é porque me esqueço que sempre os carreguei. Nunca havia catalogado a minha cabeça, e a gente tem por estereótipo que góticos têm toda uma vestimenta e playlist específicas. Acontece que eu sempre gostei do que é preferível estar morto e enterrado do que presente, mesmo que esteja mais presente do que morto e enterrado: assuntos desconfortáveis, verdades dolorosas, aves negras agourentas e necrófagas, piratas, detetives de homicídio, cemitérios (eu amava brincar de "A-on-de se-rá que a He-len vai mo-rar" e dava Cemitério, me achava corajosa e estilosa e não pensava em suicídio ou cova, eu tinha apenas 9 anos, me sentia mesmo era Elvira ou Mortícia hahaha).

Às vezes (muitas delas) é um peso de chumbo viver nessa visão pessimista de mundo. Mas, como diz Rust Cohle, eu me sinto uma realista para os parâmetros pessimistas da filosofia, e para haver dia, deve haver noite, senão ninguém sabe distinguir um do outro. Enquanto utopeiam os utópicos, fico aqui distopiando as utopias deles. É uma raiva que eu tenho, pois é um caminho solitário e eu gostaria que a vida fosse melhor, mas é também divertimento furar balões de fantasia do senso comum.

Sabia que o coletivo de corvos em inglês é murder? Sempre que me lembro é como se estivesse descobrindo de novo. Acho isso maravilhoso. Deve ter a ver com o fato que um bando de corvos reunidos indicava um cadáver nos tempos das guerras do passado distante. E eles tinham a função de avisar os lobos que ali tinha alimento. Não sem antes bicar os olhos de todos os mortos.

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© um velho mundo
Tema base por Maira Gall, editado por Helen Araújo